Esta é a história do melhor sprinter de toda uma geração de ouro. De um ciclista que se superou e conquistou o espaço num pelotão com nomes como Alejandro Valverde, André Greipel, Cadel Evans, Erik Zabel, Fabian Cancellara, Lance Armstrong, Mark Cavendish, Michele Scarponi, Roberto Heras, Óscar Freire, Paolo Bettini, Peter Sagan, Robbie McEwen, Thor Hushovd, Tom Boonen, entre tantos outros. Detentor de vários recordes, um deles intemporal. Um exemplo de consenso e longevidade. Quem é então Alessandro Petacchi? Comecemos pelo princípio.
Alessandro Petacchi, também conhecido por Ale-Jet, nasceu a 3 de Janeiro de 1974 em La Spezia, Itália. O italiano tornou-se profissional em 1996 ao ingressar na equipa Scrigno – Gaerne. No primeiro ano enquanto profissional participou na Vuelta a España, participação que repetiu no ano seguinte. No entanto, a sua primeira vitória aconteceu apenas em 1998, na 6ª etapa do Tour de Langkawi. Participou, ainda, no Giro d’Italia (ficando cinco vezes entre os melhores), numa aparição que repetiu no ano seguinte. Pelo meio, conquistou a camisola da montanha na edição de 1999 do Tour de Langkawi.
Em 2000 passou a vestir as cores da Fassa Bortolo e na primeira parte da temporada participou, novamente, no Giro d’Italia. As vitórias começaram a surgir na segunda parte da temporada – duas etapas no Tour de Luxembourg, outras tantas na Route du Sud e uma no Rothaus Regio-Tour International – e em nova edição da Vuelta o italiano conquistou duas etapas (e finalizando mais cinco vezes entre os melhores), terminando a temporada vencendo uma etapa e a classificação geral do Giro della Provincia di Lucca. Estreou-se no Tour de France no ano seguinte, fechando seis etapas no top-10. Terminou o ano com três triunfos, encerrando o ano com um 7º lugar na Paris – Tours. Em 2002 Petacchi começou a ganhar o seu espaço entre os melhores. Somou oito vitórias em etapa e as duas primeiras camisolas por pontos antes de chegar ao Giro d’Italia onde terminou seis vezes entre os melhores. Na Vuelta a España a sorte esteve do lado do italiano que venceu uma etapa, terminou mais seis etapas com os melhores e só foi batido na classificação da regularidade por Erik Zabel. Encerrou o ano com 12 triunfos, valor que duplicou no ano seguinte.
No ano seguinte o ciclista italiano chegou ao Giro com seis vitórias na bagagem, às quais juntou outras tantas numa edição que não terminou por chegar fora de tempo na 18ª etapa. Em 18 jornadas terminou 12 entre os três primeiros, vestindo a maglia rosa entre a 1ª e a 7ª jornadas. No Tour de France o abandono foi mais precoce, ao 7º dia. Não sem antes levantar os braços por quatro ocasiões. Na parte final da temporada alcançou cinco vitórias na Vuelta, perdendo a classificação da regularidade para Erik Zabel, o alemão que viria a ser o seu carrasco dias depois, na clássica Paris – Tours. Em 2004 Alessandro Petacchi voltou a superar os vinte triunfos, com destaque para as nove vitórias no Giro – às quais juntou a camisola da regularidade – e para os quatro triunfos na Vuelta. 2005 foi o ano de Alessandro Petacchi. O italiano começou o ano vitorioso por ocasião do GP Costa degli Etruschi, venceu três etapas, a regularidade e a geral da Vuelta Ciclista a la Comunidad Valenciana, arrecadou três triunfos num Tirreno-Adriatico que fechou em 2º lugar, conquistou o seu primeiro Monumento na Milano-Sanremo, somou quatro triunfos no Giro e cinco na Vuelta, onde levou a camisola da regularidade de casa. Ao todo foram 24 triunfos ao longo da temporada, num total de 36 top-10. Estaria encontrado o sucessor de Mario Cipollini (que havia terminado a carreira)?
Em 2006 Ale-Jet assinou pela Team Milram e começou o ano a vencer, novamente no GP Costa degli Etruschi. Continuou vitorioso por terras espanholas, chegou à 100ª vitória da carreira no Giro della Provincia di Lucca, e foi apenas superado por Filippo Pozzato na Milano-Sanremo. Dominou, do início ao fim, a Niedersachsen-Rundfahrt mas fracassou quer no Giro, quer na Vuelta. No ano seguinte o italiano venceu pela 3ª vez consecutiva o GP Costa degli Etruschi, tendo-se estreado em estradas algarvias logo depois. Venceu as últimas três etapas da Volta ao Algarve e levou a camisola amarela para casa. Voltou a dominar aquela que seria a última edição da Niedersachsen-Rundfahrt. Chegou ao Giro d’Italia e venceu quatro etapas e a camisola da regularidade mas esses resultados foram posteriormente anulados. Em causa um valor anormal no que toca à medicação asmática (Salbutamol) que estava autorizado a utilizar através de um Certificado de Uso Terapêutico Excepcional. Petacchi alegou que fora um erro humano e a Federação Italiana de Ciclismo apoiou, no entanto, o Comité Olímpico Italiano de Anti-doping, juntamente com a Agência Mundial de Anti-dopagem, recorreram, pedindo uma suspensão de dois anos. O Tribunal Arbitral do Desporto condenou o italiano a um ano de suspensão mas corroboraram a defesa de Petacchi: “houve um uso excessivo de Sabutanol no dia do teste em questão [etapa 11] mas nunca com a intenção de aumentar a performance desportiva”, pode ler-se na sentença. Deste modo, os resultados na prova italiana foram anulados e o ciclista suspenso entre 1 de Novembro de 2007 e 31 de Agosto de 2008 (os restantes 60 dias foram descontados da suspensão a priori que a equipa impôs). Juízos de valor à parte, o facto de de todos os resultados após o Giro d’Italia não terem sido anulados enfatiza a inocência do ciclista. Sim, Ale-Jet ficou de fora do Tour de France de 2007 mas voltou ao pelotão de forma vitoriosa na Vuelta (duas vitórias) e saiu glorioso da Paris – Tours, resultados esses que não foram anulados.
Com todo o mediatismo e confusão gerada, a Milram despediu o italiano que voltou à competição com as cores da LPR Bikes Ballan, ainda em 2008. Na retoma Petacchi mostrou quem era e o que melhor sabia fazer: vencer. Venceu a 1ª, a 6ª e a 8ª etapas do Tour of Britain, o Memorial Viviana Manservisi e o Gran Premio Bruno Beghelli. Estreou-se na temporada de 2009 a vencer o GP Costa Degli Etruschi pela 4ª vez, surpreendeu tudo e todos a vencer a Scheldeprijs (uma das mais icónicas clássicas belgas do pavé) e voltou a vestir a maglia rosa por um dia, após vencer a 2ª e 3ª jornadas. Terminou o ano estreando-se na Volta a Portugal, não conseguindo, no entanto, vencer qualquer etapa.
Em 2010 o sprinter italiano mudou-se para a Lampre. Alcançou a sua 5ª vitória no GP Costa Degli Etruschi, fechou em 3º a Milano-Sanremo e alcançou no Tour de France o seu maior feito da carreira: a camisola verde da regularidade. O italiano bateu a forte concorrência de Mark Cavedish e Thor Hushovd levando, também para casa, duas vitórias em etapa. Terminou o ano a abandonar precocemente a Vuelta tendo, ainda assim, conquistado a 7ª jornada. 2011 foi última grande temporada de Petacchi. Não propriamente pelo avançar da idade – à altura com 37 anos – até porque a ponta de velocidade permaneceu, mais ou menos, afinada e intacta, mas mais pelo facto de haver uma nova geração de ciclistas a aparecer e a afirmar-se – Alexander Kristoff, André Greipel, Mark Cavendish, Giacomo Nizzolo, Peter Sagan, entre outros. A primeira vitória da temporada surgiu ao 2º dia de Volta Ciclista a Catalunya, num erguer dos braços que foi repetido ao 4º dia de Presidential Cycling Tour of Turkey e no 2º dia de Giro d’Italia, prova que abandonou à 13ª jornada. Participou no Tour de France e na Vuelta a España sem vitórias, ficando, no entanto, três e quatro vezes entre os melhores, respectivamente.
O ano de 2012 foi desesperante para o sprinter italiano. O ciclista italiano estava em forma e a equipa confiava nele, como sempre aconteceu, mas as vitórias não apareciam. Em consequência disso, Petacchi anunciou o fim da sua carreira após a edição de 2013 da Paris-Roubaix, visto que não tinha motivação para continuar a liderar o comboio que a equipa tinha para ele.
Desengane-se quem pense que o Sprinter da Geração de Ouro pousou a bicicleta definitivamente. Tal não aconteceu. Culpado? Patrick Lefevere. O mítico chefe da Quick Step viu em Petacchi a peça-chave que faltava no comboio de Mark Cavendish. O italiano continuava um ciclista muito válido e tinha uma experiência ímpar. A juntar a isso o facto de Ale-Jet sentir-se tentado e desafiado para um papel novo e preponderante foi fulcral para que este aceitasse o convite. O único entrave que se revelou foi mesmo a UCI, visto que não era possível haver transferências a meio da temporada. No entanto, a burocracia foi ultrapassada e o contrato foi assinado a 1 de Agosto desse mesmo ano. Mesmo com um papel secundário, as vitórias ressurgiram em 2014, primeiramente no contra-relógio colectivo inaugural do Tirreno-Adriatico e dias depois no Grand Prix Cerami. Participou no Giro d’Italia e auxiliou Mark Cavendish a vencer por duas vezes no Tour de France.
Com o amargo na boca de não ter conseguido uma boa performance no Giro d’Italia, Alessandro Petacchi delineou um último objectivo: voltar e vencer. Assinou contrato com a Southeast (igualmente com um papel de mentoria e serventia a Jakub Mareczko) para o ano de 2015, equipa italiana do segundo escalão, e apresentou-se na prova após um par de bons resultados na preparação para a mesma – um 5º lugar na última etapa do Tour de Langkawi e um 4º lugar na última etapa do Presidential Cycling Tour of Turkey. À chegada da prova, uma novidade: a Southeast, em honra de Ale-Jet, apresentou-se com um equipamento branco especialíssimo, em vez do seu cinzento habitual. Ao 2º dia de prova a chegada aconteceu em Génova, numa chegada que Ale-Jet tinha conquistado na abertura da edição de 2004. Desta feita fechou em 5º, numa vitória que sorriu a Elia Viviani. Quatro dias depois finalizou no 6º lugar, num dia que sorriu a André Greipel. A mira do italiano focou-se então na etapa final, a chegada a Milão que vencera anteriormente em 2004 e em 2005. No entanto, um vírus contraído na penúltima etapa durante a ascensão ao Colle delle Finestre obrigou-o a abandonar a prova. No dia seguinte, o ciclista marcou presença na linha de meta despedindo-se dos companheiros e também dos fãs através do programa da RAI (estação televisiva pública de Itália) “Processo alla Tappa”. E, desta feita, aos 41 anos o adeus foi definitivo.
Para a história ficam:
- 145 vitórias individuais;
- 3 vitórias em contra-relógio colectivo;
- 5 classificações gerais finais;
- 9 camisolas verdes conquistadas;
- 1 camisola da montanha conquistada;
- 364 vezes a terminar entre os dez melhores;
- Recordista de vitórias finais e em etapa do Giro della Provincia di Lucca (2 e 3, respectivamente);
- Recordista de vitórias finais e em etapa da Niedersachsen-Rundfahrt (2 e 8, respectivamente);
- Recordista de vitórias no GP Costa degli Etruschi (5);
- Recordista de vitórias em etapa na Vuelta Ciclista a la Comunidad Valenciana (10);
- Italiano com maior número de vitórias em etapa no Tirreno-Adriatico (9);
- 3º ciclista com maior número de participações na Milano-Sanremo à altura da sua retirada (16);
- Ciclista com maior número de vitórias em etapa no Giro d’Italia da sua geração (22);
- 3º ciclista estrangeiro com maior número de participações na Vuelta a España (11);
- Estrangeiro com maior número de vitórias em etapa na Vuelta a España (20);
- O primeiro ciclista italiano a vencer a camisola dos pontos no Tour de France desde Franco Bitossi em 1968;
- O primeiro ciclista a completar um Grand Slam (conquistar a camisola da regularidade nas três Grandes Voltas) desde 1999 e o único ciclista da sua geração;
- 32 participações em Grande Voltas;
- 48 vitórias em etapa em Grandes Voltas.
Nada mau para o sucessor de Mario Cipollini, pois não?
Após o término da carreira Alessandro Petacchi tornou-se comentador de ciclismo para a RAI.