Texto de Artur Narciso
Edição e fotos de Diogo Santos
O início de qualquer temporada velocipédica é marcada pelo olhar atento para os planos de treino detalhados com a devida atenção ao microciclo, mesociclo e macrociclo por dos atletas, sejam eles amadores ou profissionais. No entanto, há um detalhe que cada vez mais é tido em conta: os pensamentos condicionam o resultado dos treinos e, consequentemente, das provas.
Desta forma, muito para além do treino físico e táctico, é fundamental treinar a mente, os pensamentos, as crenças, o foco e entender os valores pelo qual o ser humano se rege para que todo o esforço seja maximizado com a produção de atitudes ou perspectivas diferentes. Quantas vezes já se viu dois ciclistas tecnicamente e tacticamente muito idênticos mas que em prova possuem resultados completamente distintos? Tirando desta equação o papel que cada um desenvolve na prova, provavelmente há algo interno que os distingue e que deve ser trabalhado, daí a diferença de resultados.
Hoje em dia grandes nomes do desporto já trabalham para lá da componente física e técnica. Estes treinam os seus comportamentos, os seus diálogos internos, o seu foco a sua percepção do que está à sua volta para que tudo isso não seja limitativo mas sim impulsionador. Valorizam igualmente as acções positivas que ocorrem à sua volta, não se focam no todo de uma prova mas sim nos detalhes pois focar no detalhe retira pressão em comparação ao pensar no todo e a somatória de pequenos detalhes maximizados criam de uma forma mais “económica” melhores resultados para o atleta.
Mais do que imaginar e mentalizar uma chegada em primeiro lugar a uma meta o ciclista hoje em dia, para uma melhor a sua performance, deve treinar a visualização do caminho para chegar à meta, imaginar uma prova perfeita e aperceber-se que sentimentos e sensações positivas esse caminho lhe dá; deve visualizar a superação de cada desafio, visualizar o seu pulso controlado, visualizar os pontos de abastecimento, a anulação de eventuais ataques do adversário e os seus próprios ataques. Este exercício faz com que o ciclista desenvolva todas as sensações focado no sucesso e na antecipação, planeando boas sensações antes de entrar em acção. Com este exercício o desafio é transformado em algo que ele já conhece e onde sentiu “boas energias” e transformou a chegada em primeiro lugar uma mera consequência de um caminho de foco no útil e no positivo.
O coaching tem várias origens, passando pelo filósofo Sócrates, Gregory Bateson, Paul Watzlawick e Erik Erickson que, em meados do século XX, desenvolveram vários trabalhos que influenciaram o coaching. No entanto, quem deu o impulso no coaching tal como hoje o conhecemos foi um ex-tenista Timothy Gallwey que afirmou algo que é muito importante todo o atleta ter em conta, seja qual for o desporto praticado:
Cada jogo é composto por duas partes: um jogo exterior e um jogo interior. O primeiro é jogado contra um adversário para superar obstáculos externos e atingir um objectivo fora de nós. Já o jogo interior desenrola-se na mente e é jogado contra a falta de concentração, ausência de confiança em si mesmo, nervosismo – tudo o que inibe a excelência do desempenho. É o jogo interior que determina se iremos ganhar ou perder.
Quantos atletas numa prova pensam “eu não consigo” e este pensamento se apodera do deste, limitando as suas próprias capacidades físicas e técnicas? Aliás, serão só os atletas a ter, tantas vezes, estes pensamentos?
O coaching desportivo é útil a todos os desportos, inclusivamente no ciclismo pois ajuda os atletas a tomarem consciência deste diálogo interno e quanto este o pode potenciar, aumentando o seu compromisso para com os desafios. Com a melhoria de resultados, bem-estar e pensamento útil o ciclista tem uma melhor atitude e mais auto-estima, superando os seus obstáculos internos e contagiando consequentemente os seus colegas de equipa com uma nova atitude e abordagem perante os desafios externos.
Hoje em dia o ciclismo está de tal forma evoluído no que toca ao treino físico e técnico que, muitas das vezes, o que distingue um ciclista de outro (ou uma equipa de outra) é a sua atitude, a sua crença e a forma como este encara o desafio. Os processos de coaching são os novos ganhos marginais e vieram para marcar uma era.