Esta é a história do último ciclista de uma geração de ouro a abandonar o grande palco. Aquele que construiu o palmarés dos palmarés. Que começou por ser o menino gordinho na escola, conhecido como o “Imbatido”. Alguém que pensava que aos 24 anos estaria retirado e até com ‘barriga’. Mas que se tornou num mito vivo com 21 temporadas ao mais alto nível. Todo e cada um de nós devia inspirar-se na carreira de Alejandro Valverde. Por quê? Comecemos pelo princípio.

Alejandro Valverde Belmonte nasceu no seio de uma família apaixonada pelo ciclismo a 25 de Abril de 1980 em Las Lumbreras, Múrcia. O seu pai, Juan, foi um ciclista amador e foi quem lhe ofereceu a sua primeira bicicleta. Valverde conseguiu bastantes vitórias nas camadas jovens, recebendo uma proposta da equipa de desenvolvimento da Banesto. No entanto, a experiência não correu bem. Mudou-se então para a equipa de desenvolvimento da Kelme, onde fez uma excelente temporada, permitindo assim passar a profissional no ano seguinte.

A estreia profissional deu-se então em 2002, numa época de adaptação e de aprendizagem. No ano seguinte fez uma grande temporada. Obteve a sua primeira vitória enquanto profissional no terceiro dia de Vuelta al País Vasco, chegando à Vuelta a España já com seis vitórias no bolso. Na prova maior espanhola terminou em 3º lugar, somando ainda duas vitórias em etapa. Terminou o ano com um 2º lugar na prova de fundo dos Campeonatos do Mundo cujo vencedor foi o compatriota Igor Astarloa. Apesar dos problemas financeiros da Kelme, Valverde manteve-se fiel à equipa e prosseguiu com a mesma em 2004 onde ganhou a Vuelta Ciclista a la Comunidad Valenciana, a Vuelta a Murcia, a Vuelta a Burgos e terminando em 4º lugar na Vuelta. Ajuda Óscar Freire a vencer o seu terceiro Campeonato do Mundo de estrada, fechando a mesma no 6º lugar.

Em 2005 assinou pela Caisse d’Epargne. No ano de estreia com as novas cores foi 2º classificado na Paris-Nice, levando para casa a última etapa e a camisola da juventude. Estreou-se no Tour de France, mostrando de que era feito ao ser o único ciclista a conseguir acompanhar Lance Armstrong na subida de Courchevel, ganhando a respectiva etapa ao sprint. Na 13ª etapa caiu e desistiu. Recuperado, correu em casa a prova de fundo dos Campeonatos do Mundo onde foi apenas batido por Tom Boonen.

Alejandro Valverde e Lance Armstrong na subida de Courchevel.

2006 ficou marcado por aquele que viria a ser um dos capítulos mais bonitos da carreira do Bala: as Clássicas das Ardenas. Venceu a La Flèche Wallonne e a Liège-Bastogne-Liège. Terminou em 2º lugar a Vuelta a España e voltou a fechar pódio na prova de fundo dos Campeonatos do Mundo, neste caso, no lugar mais baixo do pódio. Começou o ano seguinte em alta conquistando a Vuelta a la Comunidad Valenciana e a Vuelta ciclista a la región de Murcia. Bateu na ‘trave’ na revalidação da La Flèche Wallonne e da Liège-Bastogne-Liège. Terminou na 6ª posição o Tour de France.

Em 2008 revalidou o título na prova murciana, fechou no último lugar de pódio a Flèche Wallonne e triunfou pela segunda vez na Liège-Bastogne-Liège. Prosseguiu o ano a erguer os braços no Critérium du Dauphiné Libéré, somando ainda a camisola da regularidade e duas etapas. Foi Campeão Nacional de estrada e chegou à 50ª vitória profissional da carreira ao sexto dia de Tour de France, numa edição que terminou no 8º lugar. Venceu a Clásica Ciclista San Sebastián e terminou em 5º lugar a Vuelta a España, vencendo uma etapa.

O ano seguinte foi (novamente) fantástico para Alejandro Valverde. Passou ao lado das Clássicas das Ardenas mas surgiu em grande forma na Volta Ciclista a Catalunya onde venceu a geral classificativa, repetindo o feito no Critérium du Dauphiné Libéré e na Vuelta a Burgos. Na Vuelta a España não deu quaisquer hipóteses à concorrência e, apesar de não vencer qualquer etapa, conquistou a sua primeira (e única) Grande Volta da carreira.

Valverde venceu a Vuelta a España em 2009.

A Caisse d’Epargne tornou-se Movistar Team em 2010 e ficou sem a sua maior referência: Alejandro Valverde  foi acusado de doping e foi suspenso por dois anos. Voltou em força em 2012. Começou a temporada logo a vencer, por ocasião da penúltima etapa do Santos Tour Down Under. Conquistou a geral da Vuelta a Andalucía Ruta ciclista del Sol e fechou em 2º lugar a Vuelta a España, conquistando a camisola da regularidade e vencendo três etapas, depois de passar ao lado do Tour de France (onde, ainda assim, conquistou a etapa 17). Em 2013 voltou a vencer na Andalucía, fechou no pódio da Amstel Gold Race e da Liège-Bastogne-Liège mas não foi além de um 8º lugar no Tour. Regressou à Vuelta onde terminou em 3º lugar, sem somar vitórias em etapas mas levando para casa a camisola da regularidade.

O ano seguinte começou, novamente, com o Bala a brilhar na Andalucía, vencendo três etapas, a geral classificativa e a camisola da regularidade. Venceu a Vuelta Ciclista a Murcia, terminou em 3º lugar a Strade Bianche e conquistou, ao fim de vários pódios, o GP Miguel Indurain. Triunfou na La Flèche Wallonne e fechou em 2º a Liège-Bastogne-Liège. Tornou-se Campeão Nacional de Contra-relógio e terminou em 4º o Tour de France. Depois de vencer a Clásica Ciclista San Sebastián fechou na 3ª posição a Vuelta a España. Para terminar o ano correu, em casa, a prova de fundo dos Campeonatos do Mundo onde terminou em 3º lugar e a Il Lombardia onde fechou em 2º. Foi o vencedor do Ranking UCI de 2014.

Em 2015 alterou o seu calendário, começando o ano a correr no Médio Oriente mas foi nas Clássicas das Ardenas que apareceu em grande plano: 2º na Amstel Gold Race, venceu a Flèche Wallonne e a Liège-Bastogne-Liège. Voltou a envergar a camisola de Campeão Nacional espanhol de fundo e com ela alcançou um dos seus objectivos de carreira: terminar no  pódio do Tour. Terminou no 3º lugar na 2ª edição conquistada por Chris Froome. Venceu uma etapa na Vuelta e a camisola da regularidade, terminando na 5ª posição. Batido por Peter Sagan na prova de fundo dos Campeonatos do Mundo (finalizou no 5º lugar), terminou em 4º a Il Lombardia vencendo, novamente, o Ranking UCI.

O tão sonhado pódio no Tour de France para Valverde.

2016 foi um ano onde Valverde correu de Janeiro a Outubro, num total de 92 dias de competição. Voltou a reinar na Vuelta a Andalucía Ruta Ciclista Del Sol, conquistando também a Vuelta a Castilla y Leon e a La Flèche Wallonne antes da sua primeira participação no Giro d’Italia. Conquistou a 16ª etapa, terminando a prova no 3º lugar. Repoisou e chegou ao Tour de France em forma, terminando num ingrato 6º lugar. Ingrato pois a sensação geral foi de que o espanhol teria feito pódio se não tivesse trabalhado para Nairo Quintana. Trabalhar fê-lo também para Purito Rodríguez nos Jogos Olímpicos sem antes fazer 3º na Clásica Ciclista San Sebastián.

Fez o pleno mas foi sacrificado no dia dos cortes do pelotão por estar a marcar Chris Froome. Teria estado no pódio final se não fosse essa situação, algo de se tirar o chapéu pois trabalhou novamente para Nairo Quintana mas, desta feita, o colombiano venceu a classificação geral. Terminou no 12º lugar na Vuelta a España, na primeira (e única) vez em que não fechou no top-10 da prova espanhola. Concluiu o ano com um 6º lugar na Il Lombardia.

Valverde ajuda e é ajudado, aqui por José Joaquín Rojas na Vuelta 2016, num bonito gesto de equipa.

A época de 2017 foi agridoce para o Bala. Teve um início de época épico. Venceu a Vuelta Ciclista a la Región de Murcia ‘Costa Calida’, sendo o ciclista mais velho a fazê-lo e alcançando um total de cinco triunfos e nove pódios, um recorde absoluto. Chegou à vitória 100 enquanto profissional na Vuelta a Andalucía Ruta Ciclista Del Sol onde venceu uma etapa, a regularidade e a geral classificativa. Dominou igualmente a Volta Ciclista a Catalunya e não deu hipóteses na Vuelta al País Basco. Reinou nas Clássica das Ardenas: conquistou a 5ª La Flèche Wallonne (tornando-se no recordista de vitórias na clássica belga) e a 4ª Liège-Bastogne-Liège da carreira (tornando-se o ciclista mais velho a vencer este Monumento). Com esta prestação na semana das Ardenas Valverde superou o feito de 15 pódios que pertencia a Eddy Merckx, tornando-se detentor deste mesmo recorde. Chegou ao Tour de France com a posição de líder face ao muito melhor estado de forma que Nairo Quintana. No entanto, uma queda gravíssima logo no prólogo retirou-o de prova e do resto da temporada.

Valverde a toda a velocidade em busca da vitória na Vuelta Ciclista a la Región de Murcia ‘Costa Calida’ em 2017.

Muitos duvidaram do seu regresso em pleno mas o Bala cedo mostrou em 2018 que ainda tinha a mira acertada. Venceu duas etapas e a geral classificativa da Volta a la Comunitat Valenciana, tornando-se no recordista de vitórias, com três triunfos. Voltou ao Médio Oriente e desta feita saiu vitorioso, vencendo a última etapa e a respectiva geral do Abu Dhabi Tour. De regresso a Espanha triunfou na Volta Ciclista a Catalunya, somando à geral classificativa duas etapas e a camisola da montanha. Venceu o GP Miguel Indurain e foi apenas batido por Julian Alaphilippe na La Flèche Wallonne, afirmando no final que “tinha perdido para o seu sucessor”. Prosseguiu a temporada em França, conquistando a geral da La Route d’Occitanie – La Dépêche du Midi (levando igualmente para casa uma etapa e a camisola da regularidade) mas passando ao lado do Tour de France, terminando no 14º lugar (onde trabalhou para um insipido Nairo Quintana). Regressou à competição na Vuelta a España onde ganhou duas etapas, a camisola da regularidade e o 5º lugar na geral final. Terminou o ano a conquistar a prova de fundo dos Campeonatos do Mundo. Numa prova de admiração e respeito Peter Sagan foi entregar-lhe a camisola do arco-íris em mão, no pódio de Innsbruck. Essa mesma camisola subiu com Valverde ao pódio da Milano-Torino, onde finalizou no 3º lugar, no encerar de uma temporada onde o espanhol regressou à competição como ele próprio não esperava.

Valverde não coube em si após vencer a prova de fundo dos Campeonatos do Mundo de Innsbruck.

Em 2019, Alejandro Valverde adicionou uma novidade ao seu calendário: clássicas do pavé. E, contra todas as expectativas, estreou-se no Tour des Flandres com um belíssimo 8º lugar. Revalidou o título na La Route d’Occitanie – La Dépêche du Midi e tornou-se Campeão Nacional de fundo pela terceira vez. Terminou o Tour em 9º lugar, num fracasso total da equipa ao ter optado por levar os seus três líder à prova francesa (Valverde, Nairo Quintana e Mikel Landa). Na Vuelta a história foi diferente: o Bala esteve na disputa pelo triunfo até ao fim, acabando por ser batido apenas por Primož Roglič. Ao 2º lugar somou a vitória na etapa 7, naquela que foi a sua 130ª vitória da carreira enquanto profissional. Terminou a temporada com um 2º lugar na Il Lombardia.

2020 foi um ano muito atípico para o murciano. Começou a preparar os seus objectivos no final de Janeiro, sem a relevância de outros anos. Com a pandemia de covid-19 globalizada o ciclismo parou e Valverde ressentiu-se disso: no regresso poucos foram o que deram por ele. Terminou em 12º lugar o Tour de France em 10º a Vuelta a España. Apesar de haver na equipa Enric Mas tal não justificava este ‘apagão’ do Bala. Estaria a idade a pesar e o declínio no adro? A resposta é não!

Valverde no Paterberg, isolando-se ao ser o único a responder ao ataque de Mathieu van der Poel – Tour de Flandres, 2019.

Alejandro Valverde começou a temporada de 2021 (supostamente e muito anunciada como a sua última) a desafiar a nova geração de ciclistas. Terminou em 4º lugar a Volta Ciclista a Catalunya (em edição centenária), vencendo dias depois o GP Miguel Indurain, tornando-se no ciclista mais velho a fazê-lo e no recordista de triunfos, com três vitórias. Finalizou em 7º lugar a Itzulia Basque Country antes de uma semana das Ardenas em grande forma. Terminou em 5º lugar a Amstel Gold Race, em 3º a La Flèche Wallonne e em 4º a Liège-Bastogne-Liège no mesmo dia em que completou 41 anos. O Bala usou, coincidentemente, o dorsal 41 e tinha a vitória na mão não fosse o vento a favor favorecer os adversários que chegaram aos 500 metros finais na roda do Bala. Prosseguiu a temporada no Tour de France com vista aos Jogos Olímpicos de Tóquio mas o espanhol cedo ficou longe da tão ambicionada medalha de ouro. Chegou à Vuelta a España em grande forma mas uma ressalva na estrada, enquanto atacava a descer, fê-lo cair aparatosamente e abandonar com a clavícula fracturada ao 7º dia. Dias depois de terminar a temporada de 2021 no Giro di Sicilia com uma vitória na 3ª etapa, afirmou ao programa radiofónico ‘Radiogaceta de los deportes‘, da RTVE, que “2022 será o meu último ano. Digo-o com total convicção, 100% de certeza”.

Para a temporada de despedida, o Bala decidiu começar onde tudo começou enquanto profissional no longínquo ano de 2002: no Challenge Mallorca. O murciano ‘picou o ponto’ ao terceiro troféu, levando para casa o Trofeo Pollença – Port d’Andratx depois de bater Brandon McNulty (UAE Team Emirates) ao sprint. Aceitando o convite do ex-ciclista Ezequiel Mosquera, marcou presente na edição inaugural, vencendo-a Gran Camiño, conquistando a terceira etapa e a camisola por pontos. Terminou pela terceira vez no pódio da Strade Bianche, tendo sido apenas batido por (enorme) Tadej Pogačar (UAE Team Emirates). Desafiou Dylan Teuns (Bahrain Victorious) até à flamme rouge da La Flèche Wallonne, terminando a 16ª participação na prova no 2º lugar, no 9º pódio e 11ª vez entre os dez mais em 16 participações. Marcou presença igualmente na Liège-Bastogne-Liège, também pela 16ª vez, terminando no 7º lugar em vésperas do seu 42º aniversário.

A primeira vitória do Bala em 2022 foi no Trofeo Pollença – Port d’Andratx.

Ao jornal El País, na antevéspera do seu 42º aniversário, afirmou “Na hora de desfrutar, a minha cabeça continua como dantes”, traçando o objectivo de “chegar à Il Lombardia e vencer à 11ª tentativa”. Antes disso regressou ao Giro d’Italia e à Vuelta a España sem o protagonismo de outros tempos, mas com direito a uma guarda-de-honra solene no final da prova espanhola.

No fim, gostaria de ser recordado como “uma pessoa simples, amável, que como todo o mundo tem os seus momentos bons e maus. Que me recordem como um grande ciclista, que fez o máximo para tentar fazer com que todos desfrutassem”.

Depois do pelotão, foi a vez do público fazer a sua guarda-de-honra a um homem que marcou a história do desporto.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here