Esta é a história de um dos ciclistas mais rápidos da sua geração. Um ciclista por quem pouco se devia esperar, por ser oriundo de uma nação com pouca tradição na modalidade. Mas no fim, no final de contas, acabou por ser tornar num nome inscrito nos livros de ouro do ciclismo e num ídolo da sua nação. Quem é então Thor Hushovd? Comecemos pelo princípio.

Thor Hushovd nasceu a 18 de Janeiro de 1978, em Grimstad, Aust-Agder, Noruega. Depois se tornar Campeão Nacional de Contra-relógio em 1995 e de renovar o título no ano seguinte (juntando-lhe o título na prova de fundo), o jovem venceu no escalão de sub-23 o Campeonato do Mundo de Contra-relógio, a Paris-Roubaix e a Paris – Tours.

Tornou-se profissional em 1999, pelas cores da Crédit Agricole, equipa onde se manteve até 2008. A primeira vitória enquanto profissional surgiu ainda no primeiro ano da sua profissionalização, ao 5º dia do Tour of Sweden. No ano seguinte estreou-se no Tour des Flandres e na Paris-Roubaix em elites, venceu a primeira etapa do Tour de l’Oise et de Picardie, terminando o ano a fechar num honroso 7º lugar o contra-relógio dos Jogos Olímpicos de Sidnei, garantindo um diploma para a Noruega. Em 2001, depois se estrear na Milano-Sanremo, voltou a erguer os triunfos no Tour of Sweden, ganhando duas etapas e levando a geral final para casa. Conquistou igualmente a primeira edição da Paris – Corrèze, prova criada por Laurent Fignon e Max Mamers. Estreou-se no Tour de France, fazendo parte do colectivo que venceu o contra-relógio por equipas dessa mesma edição. Tornou-se no segundo norueguês a triunfar na prova, depois de Dag-Otto Lauritzen em 1987. Abandonou a prova ao 12º dia, finalizando o ano com um 4º ano numa Paris – Tours cujo pódio foi composto por Richard Virenque, Óscar Freire e Erik Zabel, respectivamente.

Vista panorâmica de Grimstad, cidade-natal de Thor Hushovd que se encontra na costa sul da Noruega e que tem cerca de 20 mil habitantes. O astro norueguês mantém uma residência nesta localidade, embora a principal se situe em Monte Carlo, Mónaco.

No ano seguinte regressou à Grande Boucle, vencendo a 18ª etapa após uma fuga colectiva bem-sucedida. Tornou-se, posteriormente, Campeão Nacional de Contra-relógio. Em 2003 o norueguês ‘picou o ponto’ na Vuelta a Castilla y Leon, no Critérium du Dauphiné Libéré, terminou cinco vezes entre os melhores no Tour de France e encerrou o ano conquistando o Grote Prijs Jef Scherens – Leuven. 2004 foi o ano em que Thor Hushovd mais levantou os braços. A onda vitoriosa começou no início da temporada em França: venceu a terceira etapa da Etoile de Bessèges, conquistou a Classic Haribo, o GP de Denain Porte du Hainaut, o Tour de Vendée, a camisola por pontos da primeira (e única) edição do Tour du Languedoc-Rousillon, às quais juntou duas etapas. Venceu o Campeonato Nacional de Contra-relógio e de fundo, assim como uma etapa no Tour de France.

Em 2005 tornou-se no segundo norueguês a terminar no pódio da Milano-Sanremo (o primeiro foi Knut Knudsen em 1979). Fechou em 9º a Paris-Roubaix, tornando-se no primeiro norueguês a fechar a prova no top-10. Renovou o título de Campeão Nacional de Contra-relógio, conquistando depois a camisola por pontos no Tour de France sem vencer nenhuma etapa (terminou oito vezes entre os melhores). Foi o primeiro ciclista da sua nação a conseguir tal camisola. Estreou-se na Vuelta a España, vencendo a etapa 5, abandonado, no entanto, à jornada 11. Foi o terceiro norueguês a vencer na maior prova espanhola, depois de Atle Pedersen em 1990 e Dag-Otto Lauritzen em 1993.

No ano seguinte o Deus do Trovão começou a temporada a conquistar uma etapa no Tirreno-Adriatico. Venceu a Gent – Wevelgem e somou nova na Volta Ciclista a Catalunya. Nesse mesmo ano venceu o prólogo inaugural do Tour de France, sendo no primeiro norueguês a envergar a camisola amarela na prova rainha do ciclismo. Venceu ainda na chegada a Paris, tornando-se o primeiro ciclista a vencer a etapa inaugural e a última no mesmo ano. Terminou o ano a assumir a liderança na Vuelta a España por três dias – mais um feito inédito para a Noruega, levando para casa uma vitória em etapa e a classificação por pontos. Em 2007 a primeira vitória da temporada surgiu no Giro d’Italia, algo inédito na carreira do norueguês. Este abandonou precocemente a prova italiana ao 12º dia, regressando às vitórias por ocasião do 4º dia de Tour de France. O ano seguinte foi mais risonho para Hushovd: entrou vitorioso no Tour Méditerranéen Cycliste Professionnel e na Paris – Nice, conquistando também a última etapa do 4 Jours de Dunkerque. Em Espanha, triunfou nos primeiros dois dias da Volta Ciclista a Catalunya, tendo marcado novamente presença no Tour de France, levantando os braços ao 2º dia.

Na primeira etapa em linha do Tour de France em 2006 uma mão gigante de cartão levou Thor Hushovd ao chão de forma abrupta. Ainda assim, o norueguês procurou manter a liderança (em vão), disputando a chegada com Robbie McEwen e Jimmy Casper, que viria a vencer a jornada.

Em 2009, e aos 31 anos, o Touro de Grimstad mudou de equipa. Deixou a Crédit Agricole onde estava desde os primeiros passos enquanto profissional e mudou-se para a Cervelo Test Team, onde permaneceu até 2011. Começou a temporada em solo norte-americano, triunfando na 3ª etapa do Amgen Tour Of California e, duas semanas depois, venceu a Omloop Het Nieuwsblad, uma vitória que tornou o palmarés do ciclista ainda mais invejável. Fechou o pódio da Milano-Sanremo e da Paris-Roubaix – algo inédito para a Noruega. Depois de ganhar novamente na Volta Ciclista a Catalunya, ganhou pelo 4º ano consecutivo uma etapa no Tour de France. Levou igualmente a camisola dos pontos para casa, superando Mark Cavendish. Terminou a temporada como começou: a vencer em território norte-americano, mais concretamente no Tour Of Missouri, prova que se extinguiu nesse mesmo ano.

No ano seguinte o astro norueguês viu Fabian Cancellara vencer a Paris-Roubaix, fechando em 2º lugar. Não deu hipóteses na prova de fundo dos Campeonatos Nacionais e, chegado ao Tour de France, Thor Hushovd venceu uma etapa pelo 5º ano consecutivo, desta feita ao 3º dia. Perdeu a camisola dos pontos para Alessandro Petacchi nas derradeiras jornadas da Grande Boucle. Terminou o ano da melhor maneira: esteve à partida da Vuelta a España, ‘picou o ponto’ ao 6º dia, abandonou a prova espanhola no 2º dia de descanso e, duas semanas depois, tornou-se Campeão do Mundo de estrada, batendo Matti Breschel e Allan Howard Davis, respectivamente. Estreou a camisola do arco-íris nos circuitos italianos de final de temporada, erguendo os braços no último deles, o Trofeo Città di Borgomanero.

Ao fim de 262,7 quilómetros Thor Hushovd levantou os braços em Geelong, alcançando o triunfo mais importante da sua carreira.

Em 2011 o primeiro grande resultado aconteceu na Paris-Roubaix, onde terminou no 8º lugar. Conquistou a primeira vitória do ano na 4ª jornada do Tour de Suisse e voltou a vestir de amarelo no Tour após o triunfo colectivo ao segundo dia. Perdeu a liderança ao final do 9º dia, vencendo posteriormente duas etapas míticas e incomuns aos palmarés dos homens rápidos pois tratam-se de etapas de alta montanha: a chegada a Lourdes (13ª etapa) e a chegada a Gap (16ª etapa), ambas após fugas colectivas bem-sucedidas. Deste modo, o astro norueguês conquistou, pelo menos, uma etapa na Grande Boucle pelo sexto ano consecutivo. A última vitória da época aconteceu na 4ª etapa do Tour of Britain.

No ano seguinte Thor Hushovd mudou novamente de cores, desta feita para a  BMC Racing Team, formação onde ficou até final da carreira. 2012 foi o pior ano da carreira do norueguês. Chegou àquela que se revelou mais tarde ser a sua última Grande Volta sem nenhuma vitória ou resultado de destaque, abandonando o Giro d’Italia ao 6º dia devido a uma mononucleose, hipotecando as hipóteses de marcar presença no Tour de France e nos Jogos Olímpicos, conforme estava planeado. Regressou em Julho no Tour of Pologne mas abandonou à entrada da 5ª etapa.

As vitórias regressaram no início de 2013, num hiato que durou 17 meses. Thor Hushovd venceu a primeira de duas etapas do Tour Cycliste International du Haut Var Matin, mas depois só voltou a conhecer o sabor da vitória quatro meses depois, por ocasião da prova de fundo dos Campeonatos Nacionais da Noruega. Daí em diante foi sempre a somar. Ergueu os braços na Int. Österreich-Rundfahrt – Tour of Austria, por duas vezes no Tour de Pologne e brilhou em casa, na primeira edição da Arctic Race of Norway conquistando duas etapas, a classificação geral e a camisola da regularidade. Terminou a temporada a estrear-se em solo chinês, ganhando a primeira etapa do Tour of Beijing, naquela que se revelou ser a última vitória da sua carreira.

Em 2014 a luz de Thor Hushovd fundiu-se de novo. Disputou uma chegada ao sprint no Tour Méditerranéen Cycliste Professionnel e outra na Paris – Nice, estando no grupo que disputou a vitória na Gent-Wevelgem. No Amgen Tour of California esbarrou num Peter Sagan e num Mark Cavendish em forma e, duas semanas depois, surgiu a notícia que muitos temiam mas poucos queriam: o anúncio da sua retirada. Nessa conferência de imprensa, em Junho, este afirmou que “tenho dado o melhor de mim com o vírus da mononucleose no corpo. Tenho tido alguns flashes, ocasionalmente. O que me faz querer pedalar. Mas tenho-me ido demasiado abaixo, psíquica e fisicamente. (…) Descobri que tudo tem um limite”.

Na edição de 2011, ao 16º dia e com a camisola do arco-íris Thor Hushovd bateu o compatriota Edvald Boasson Hagen na chegada a Gap, uma das mais míticas chegadas montanhosas do Tour de France.

A última partida estava agendada para os Campeonatos do Mundo, no entanto, um choque aparatoso com uma adepta no Tour du Poitou-Charentes fê-lo perder tempo importante de treino para aquele que seria o seu derradeiro objectivo. Como Thor Hushovd não queria participar por participar, acabou por abdicar de vestir a camisola do seu país uma última vez, tendo pedalado profissionalmente pela última vez na Primus Classic Impanis – van Petegem.

Para a história ficam:

  • 16 temporadas enquanto profissional;
  • 65 vitórias;
  • 2 vitórias em contra-relógio colectivo;
  • 2 Campeonatos do Mundo;
  • 9 títulos de Campeão Nacional (5 de Contra-relógio e 4 de Estrada);
  • 3 classificações gerais finais;
  • 10 camisolas da regularidade;
  • 362 vezes entre os dez mais;
  • 16 participações em Grandes Voltas;
  • 13 vitórias em Grandes Voltas;
  • 11 participações no Tour de France – todas de forma interrupta;
  • Norueguês com mais participações na Grande Boucle, em igualdade com Edvald Boasson Hagen – 11;
  • Norueguês com maior número de vitórias no Tour de France – 10;
  • 10 dias na liderança do Tour de France;
  • Norueguês com maior número de vitórias na Vuelta a España – 3;
  • 40 participações em Monumentos, sem nunca ter participado na Liège-Bastogne-Liège;
  • Norueguês com maior número de participações no Tour des Flandres – 15;
  • À hora da retirada, era o 4º ciclista com mais participações de sempre no Tour des Flandres;
  • Norueguês com maior número de participações na Paris-Roubaix – 14;
  • À hora da retirada, era o 7º ciclista com mais participações de sempre na Paris-Roubaix.

Mais até do que os números, Thor Hushovd abriu portas e criou sonhos. O tempo comprovará isso mesmo.

Na etapa inaugural do Tour of Beijing 2013, Hushovd bateu Luka Mezgec e Nikolas Maes naquela que foi a última vitória da sua carreira.

Após a retirada, o astro norueguês tornou-se comentador de ciclismo na TV2, (a primeira) estação privada norueguesa, num posto que manteve até 2020. Em 2019 lançou o Kid Racer Twin, um reboque que permite praticar em total segurança múltiplos desportos com duas crianças dentro dele.

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